sábado, 24 de março de 2012

Tesouro



Chamo Marcela de vários nomes, desde quando nos conhecemos, há muito tempo. Marcela isso, Marcela aquilo. Vamos, Marcela, senão iremos nos atrasar. Você não quer ver seus amigos?
Ela sempre se embonecava feito artista de tevê, fazendo brilhar meus pequenos olhos negros que refletiam sua imagem.
Eu sempre a acompanhava. Mesmo quando não havia interesse algum no lugar aonde nós íamos, eu ia atrás da Marcela. Da Marcela boneca. Boneca ciumenta.
Era possessiva, a Marcela. Sempre cuidou de todas suas coisas tal como uma mãe zela por seu filho.
Porém, era menina ingênua, acreditava em príncipes encantados e se deixava encantar.
“Príncipes não existem, Marcela!” - Mas ela nem ligava para o que sua mãe dizia.
Até porque ela era uma princesa, a nossa princesa de cabelos louros e encaracolados. Nossa menina de rosto angelical. E doce.
Ela cresceu fisicamente muito rápido, o que despertou o desejo dos rapazes – que ela acreditava serem príncipes – por suas formas sinuosas.
O que ninguém sabia era que Marcela continuava a assistir aos desenhos animados que passavam todas as manhãs. Eu sabia. Eu sabia.
Eu sabia de tudo o que se passava com a minha amiga.

Mas apareceu uma sombra que começou a deixá-la opaca perante meus olhos. Marcela menina se apaixonou.
Eu dizia que não. Dizia que ela estava errada, que era cedo e que ela era brilhante demais.
Marcela não me ouvia, estava encantada por aquele que jurava ser príncipe.
E eu estava perdendo minha menina.

Ela estava cada dia mais envolvida com sua sombra. Já eram praticamente uma só, ficavam grudadas o tempo todo. Era difícil distinguir Marcela daquela escuridão que a encantava.

O tempo passou e eu comecei a sentir saudades dela. Saudades da menina que me fazia rir só de ouvir sua risada, saudades da mulher que eu idolatrava, saudades da amiga a quem eu confidenciava, saudades da minha Marcela.

Mas ela estava se mudando de si mesma.
Estava mudando.

Quando ela mudou-se de casa, vinha me visitar às vezes. Ela deixava a sombra em casa e vinha toda brilhante me ver. Era uma delícia ter Marcela de volta, mesmo que por algumas tardes.

Numa dessas tardes ela disse que estava carregando uma joia. Que iria dar à luz a um brilho. E meus olhos brilharam.
Seu tesouro nasceu com seu sorriso.
Então eu chorei, emocionada.

Quando nos encontrávamos, agora com menos frequência, tristemente, eu a questionava: “por que você desaparece assim de mim? Eu sinto tanta saudade!” E ela mudava de assunto com seus olhos esverdeados cheios d’água. Nunca foi de dizer o que realmente estava sentindo – quando estava triste.
Mas, para essa pergunta, ela não tinha resposta.
Acho que as linhas do destino dela eram retas e seu caminho mais reto ainda: afunilados numa breve estrada, de fim sombrio e frio.


Não era um príncipe, Marcela, eu sempre te disse.
Era o demônio que encurtaria sua estrada. O demônio que desprenderia nossas estradas.


Mas eu ainda chamo pela Marcela. Clamo por ela.

Chamo Marcela pelo seu nome, com toda força, a todo tempo:
Marcela!
Marcela!
Marcela!

Por que você me deixou em casa desta vez?
Estou com seu tesouro.

Volta pra mim, por favor.
Volta!

4 comentários:

  1. Tenho vários amigos Marcelos e Marcelas.
    Acredito que fui Marcelo pra alguns outros também.
    Mas não sei o que é pior...

    Mais cômodo colocar a culpa no destino, como sempre. E fingir que isso é uma resposta.
    Só não há como fingir o que fica marcado no coração, bem lá no fundo.

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  2. Palavras acalantadoras, tão sabiamente escolhidas e dispostas.
    Feliz aquele que pode, quem sabe, ouvi-las de sua boca,
    em dias de tormento, em que a solidão, por pouco não devasta
    a alegria de uma pobre alma, como a minha, a tua, ou a de Marcela...

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