sexta-feira, 20 de maio de 2011

Olhos

Quando crescem as dores, com blasfêmias e insultos, o homem com olhos amargos amaldiçoa
e prega o fim, com garras.

Se o fim for: será sua única vitória.


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No quinto dia que estive em Cuba, enquanto caminhava por Habana Vieja,
às redondezas da Plaza de Armas,
um velho homem,
sentado no banco central da praça, me acompanhava, discretamente, com os olhos.
Quando se viu por mim descoberto, sorriu e acenou: Niña!
Fui até ele, seguindo seu olhar. Sentei-me ao seu lado.
Nada ele perguntou. Seus 87 anos cubanos me decifraram em uma hora.
Quando nos despedimos, ele pegou uma caneta e escreveu num caderno brochura que estava ao seu lado...
Arrancou a página e entregou a mim:




“Cuando se cambia el lugar también es necesario cambiar los ojos
Gracias por mirarme, niña. Mis ojos poco pueden ver”

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Amar é tão fácil quando são raros os julgamentos
Ah, se a mente fosse sempre branca
como de uma criança: ora ofende e já no segundo seguinte se desculpa e esquece.
E seu perdão é tão puro...
Que faz olhos, impuros como os meus, lacrimejarem:
Um dia fui assim.

8 comentários:

  1. Sensacional, Ana.
    Arrepiei. De verdade.

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  2. E eu agradeço por, mesmo mais míope que o de costume como hoje estou, poder ler isto, menina.

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  3. Você me fez viajar "das dores" à uma lágrima de saudade. Saudade de ser criança.
    Você me levou pra Cuba.
    Você me fez viajar no tempo, em 87 anos cubanos.
    Você me fez falar duas línguas.
    Você mudou o ritmo do meu coração.
    E tudo isso dentro de uma unica poesia.

    (...)

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  4. Cada vez melhor, cada vez mais linda.
    , tá?

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  5. Muito, muito bom!
    Parabéns mesmo..

    Beijos

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  6. "Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito
    Pra dizer te vendo ir fechando atrás da porta"

    Assim começa o poema, me ligando a uma das mais belas canções do Montenegro. Foi associação imediata. O orgulho ferido e a última palavra.

    Depois é névoa, caleidoscópio, vórtice. O único tipo de coisa, cara Ana, pra o qual as palavras são insuficientes - mesmo as suas - e jamais poderiam descrever a singularidade de um encontro como esse. Você tem sorte.


    Depois me mandou de volta à Bíblia: -"quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus".

    Sim, a facilidade das crianças em perdoar. Mas a gente cresce, mas a gente esquece.

    Não me deixe esquecer de voltar aqui sempre. É sempre muito bom.

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